16 de fevereiro de 2005

Calcário aos cubos com face polida

Mil e uma razões para andar a pé, e as cidades foram feitas para caminhar. Eu gosto muito de, nestes dias frios de céu azul, fazer longas caminhadas pela cidade, ver as casas antigas, as suas fachadas, algumas placas informando antigos moradores ilustres e imaginar os seus interiores. Mantendo um olho no passeio, evitando dejectos caninos e escarros, vou sentindo os meus pés tocando o chão, olhando quem cruzo. Por vezes consigo uma janela aberta, e à passagem um vulto, uma estante com livros onde reconheço uma ou outra lombada, ou um espelho reflectindo outras coisas nem sempre perceptíveis. Ao fim da tarde ou noite, o interior das casas visto dos passeios torna-se ainda mais interessante, a luz torna tudo acastanhado, dá-lhe cheiro, e tudo é mais visível. Gosto das cidades do norte da Europa, onde grandes vidraças, junto dos passeios limpos, são écrans vivos da cultura protestante. Para ver uma cidade caminha-se ao acaso pelas ruas e parques, bebe-se café com calma, olha-se à volta e para-se nas montras das livrarias. Algumas cidades foram feitas para caminhar, como a galega Santiago, com as suas lajes graníticas e copos de vinho em cafés escuros com interiores em madeira, ou Nice onde, na Promenade des Anglais, se anda com um pé no largo passeio e outro na estreita praia de seixos, de onde se vêem, nas varandas do Hotel Negresco, jovens mulheres nuas, expostas ao sol. Coimbra tem uma luz especial, de um tonalidade amarelada das cidades do sul com uma orientação sudoeste, em frente ao sol, exposta aos ares do mar. As cidades foram feitas para andar a pé. Em Amsterdão caminha-se em ruas escuras com cores rosas e luzes vermelhas. Passando junto às portas ouvimos convites de travestis asiáticos e de gordas prostitutas caribenhas, e um cheiro adocicado vindo de dentro. Em Bolonha um vasto sistema de arcadas sob as casas de construção neorenascentista, que povoam o centro da cidade, permitem andar quilómetros sem apanhar chuva no inverno ou o sol no tórrido verão da Emiglia-romana. Não foi por acaso que aqui surgiu a primeira universidade do ocidente. Eles sabiam que, séculos depois, nós ainda íamos gostar de andar a pé, e que iríamos arranjar 1001 justificações para o fazer.

Sem comentários: