

algumas memórias são assim: um ciclo de cinema no tagv, em 1979 ou 80, naquela noite passava a quimera do ouro, e o meu pai teve uma ideia: levou-me a mim e ao meu irmão mais velho a ver o filme. nessa noite chovia muito, como não chove agora, a minha irmã ficou com a minha mãe, contrariada, não devia ter mais de cinco ou seis anos, e nós, sem automóvel, tínhamos de ir a pé. os três debaixo de um chapéu-de-chuva preto, o meu pai ao meio, a segura-lo, e a gerir a nossa defesa. subimos a ladeira do seminário, ao tempo ainda com calçada, e lá fomos fustigados pela água e pelo vento, nós e as arvores de jardim botânico, até ao cinema: mostrar o bilhete, ocupar o lugar, ver a luz apagar-se. aquela aventura de ir a pé, debaixo de uma intempérie, ao cinema ver o charlot ficou gravada na minha memória, mais do que o filme, ainda sinto as botas molhadas e o orgulho de ter participado em algo. foi uma iniciação a estes estranhos hábitos de sair de casa para ver ou ouvir algo bonito, sem pipocas.
Era sexta-feira, tinha tomado café e visto os minutos finais de um jogo de futebol ao balcão do Café Safari e não me apetecia ir para casa. Saí e senti ao ar puro. Comecei a subir os Combatentes e olhei para as luzes apagadas do apartamento, elas estavam lá dentro, provavelmente as duas já a dormir. Continuei a subir com o frio a bater-me na pele. Acompanhei a escuridão neo romântica do Jardim Botânico, vi o Sr. Karol Wojtyla de costas, e ele, de braços abertos, passou a olhar-me também, enquanto eu descia já a Alexandre Herculano. Ao fundo, na Praça, virei à esquerda, passei o barulhento bar da Associação Académica. Comecei a subir a Rua Padre António Vieira e estava a chegar à Alta, deserta e silenciosa. No elevador fui até à varanda e olhei para o vale da Sá da Bandeira, com muitas luzes acesas ao longe, muitos vultos e cenas. A Alta é, apesar do seus estado degradado, a reserva de dignidade desta cidade. Passei por várias Repúblicas, e as antigas casas de José Afonso, Eça de Queiroz, Artur Paredes, António Augusto de Aguiar. Na Rua das Flores, a antiga República Palácio da Loucura e em frente, a casa de José Régio e da Presença. Casas prestes a cair, sombras, gatos e um grafitti: “Libertem a Múmia Abu Jamal”. Um alfarrabista fechado que eu não conhecia. É fácil passar por ruas novas na Alta e como eu gostava de ter conhecido este lugar há uns séculos, ao tempo da chegada definitiva de Fernando Magno, Rei de Leão, ou mesmo antes, quando no local da Sé Velha estava uma mesquita orientada para Meca. Quase entrei no Ateneu e veio-me à memória a sua biblioteca, com a catalogação manuscrita, de caligrafia pequenina e minuciosa, escola de ideologias fora de tempo. Andava depressa e sentia o meu ritmo cardíaco e os meus passos, quantos antes de mim não terão feito o mesmo, andar por ali, sem destino certo, só para andar e olhar, só para não me deitar tão cedo. Voltei para casa. No escuro elas dormiam juntas, acompanhadas por um urso de peluche.
Não sei em quem vou votar no próximo dia 20, mas sei em quem não vou votar. Algo está mal quando os candidatos por Coimbra à Assembleia da República tem um discurso inexistente, e quando existe é negativo e derrotista sobre a cidade e o distrito que representam. Se algumas coisas estão mal, e estão, eles fazem parte dessas coisas a mudar!
Zita Seabra, com aquele ar ressequido que a caracteriza, quer "recolocar Coimbra no mapa", é verdade, ela disse isto. Para que mapas é que ela tem olhado? E se ela se preocupasse em colocar a terra dela no mapa! E porque não a mandam para as Berlengas?
Mário Nogueira acha que Coimbra “perdendo tanta influência vai acabar por desaparecer.” Ele podia adiantar-se e fazer-se desaparecer, talvez assim não só os professores da região estivessem mais unidos e bem representados como nós tivéssemos cabeças de lista da CDU mais estimulantes. A sua única vantagem é conhecer a realidade, antes de a distorcer pelo seu filtro mental. E faça-nos um favor, rape esse bigodinho!
Matilde Sousa Franco..., que dizer sobre ela para além de ter casado na Sé Velha pouco depois dela ser construída. Victor Baptista é cá da terra mas, coitado, só diz banalidades. É triste mas este é um dos nossos próximos representantes na AR. Venha a boa moeda!
José Manuel Pureza tem boas ideias e conhece a realidade, mas escolheu mal o partido, e ainda por cima é católico, será que ouvi bem?
Nobre Guedes, que até ao passado mês de Dezembro nunca tinha vindo a Coimbra, deve pensar que esta cidade são meia dúzia de casas em volta da Cimpor de Souselas. Olhe que não sr. dr...
Não havia ninguém melhorzinho?
Mil e uma razões para andar a pé, e as cidades foram feitas para caminhar. Eu gosto muito de, nestes dias frios de céu azul, fazer longas caminhadas pela cidade, ver as casas antigas, as suas fachadas, algumas placas informando antigos moradores ilustres e imaginar os seus interiores. Mantendo um olho no passeio, evitando dejectos caninos e escarros, vou sentindo os meus pés tocando o chão, olhando quem cruzo. Por vezes consigo uma janela aberta, e à passagem um vulto, uma estante com livros onde reconheço uma ou outra lombada, ou um espelho reflectindo outras coisas nem sempre perceptíveis. Ao fim da tarde ou noite, o interior das casas visto dos passeios torna-se ainda mais interessante, a luz torna tudo acastanhado, dá-lhe cheiro, e tudo é mais visível. Gosto das cidades do norte da Europa, onde grandes vidraças, junto dos passeios limpos, são écrans vivos da cultura protestante. Para ver uma cidade caminha-se ao acaso pelas ruas e parques, bebe-se café com calma, olha-se à volta e para-se nas montras das livrarias. Algumas cidades foram feitas para caminhar, como a galega Santiago, com as suas lajes graníticas e copos de vinho em cafés escuros com interiores em madeira, ou Nice onde, na Promenade des Anglais, se anda com um pé no largo passeio e outro na estreita praia de seixos, de onde se vêem, nas varandas do Hotel Negresco, jovens mulheres nuas, expostas ao sol. Coimbra tem uma luz especial, de um tonalidade amarelada das cidades do sul com uma orientação sudoeste, em frente ao sol, exposta aos ares do mar. As cidades foram feitas para andar a pé. Em Amsterdão caminha-se em ruas escuras com cores rosas e luzes vermelhas. Passando junto às portas ouvimos convites de travestis asiáticos e de gordas prostitutas caribenhas, e um cheiro adocicado vindo de dentro. Em Bolonha um vasto sistema de arcadas sob as casas de construção neorenascentista, que povoam o centro da cidade, permitem andar quilómetros sem apanhar chuva no inverno ou o sol no tórrido verão da Emiglia-romana. Não foi por acaso que aqui surgiu a primeira universidade do ocidente. Eles sabiam que, séculos depois, nós ainda íamos gostar de andar a pé, e que iríamos arranjar 1001 justificações para o fazer.